Após três décadas de luta, música e fumaça, o Planet Hemp realizou o seu show final, no último sábado (13)
Author -
personLucas Couto
dezembro 14, 2025
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Infelizmente, uma das maiores bandas que o Brasil já teve encerrou as suas atividades na noite do último sábado (13/12). Estou falando do Planet Hemp — o lendário e polêmico grupo de rap-rock liderado por Marcelo D2 e Bnegão.
Em junho deste ano, os membros do Planet Hemp anunciaram a turnê ''A Última Ponta'', deixando bem claro que ela significaria a despedida definitiva da banda. De lá para cá, essa excursão passou por Salvador (13/09), Curitiba (03/10), Porto Alegre (04/10), Florianópolis (12/10), Goiânia (17/10), Brasília (18/10), Belo Horizonte (31/10), Recife (08/11) e São Paulo (15/11), antes de seu encerramento histórico, no Rio de Janeiro.
O grand finale não poderia ter sido em outra cidade: o Rio é o local onde o Planet Hemp foi fundado e onde todos os integrantes que já passaram pelo grupo residem. A formação mais recente do conjunto era composta por Marcelo D2 (vocalista), Bnegão (vocalista), Formigão (baixista), Pedro Garcia (baterista), Nobru Pederneiras (guitarrista) e Daniel Ganjaman (guitarrista/tecladista), mas, ao longo dos anos, a banda já contou com vários outros músicos célebres — a exemplo do rapper Black Alien, do cantor Seu Jorge e do DJ Zegon.
A história do Planet Hemp, porém, começou graças a Skunk — um rapper que não chegou a vivenciar a fama.
Em meados de 1992, quando Marcelo D2 e Skunk se tornaram amigos, D2 trabalhava como camelô, não tinha pretensão alguma de ser músico profissional e guardava as suas letras apenas para si mesmo, mas Skunk foi quem “botou pilha'' nele e arquitetou toda a proposta sonora do Planet Hemp. Como os dois eram grandes fãs, tanto de rap quanto de rock, a banda acabou adotando uma sonoridade pautada na fusão desses dois gêneros (naquela época, o rap-rock já havia sido explorado por nomes estrangeiros como Beastie Boys e Cypress Hill, mas, aqui no Brasil, os membros do Planet Hemp foram os pioneiros dessa mistura).
Em 1993, Skunk e D2 chegaram a gravar uma demo com o baixista Formigão, o guitarrista Rafael Crespo, o DJ Zegon e o baterista Bacalhau — essa demo continha músicas como ''Futuro do País'', ''Phunky Buddha'' e ''Porcos Fardados'', que acabariam se tornando muito conhecidas, ao serem lançadas no álbum de estreia ''Usuário'' (1995). Porém, Skunk não chegou a ver o sucesso da banda: ele morreu de HIV, em 1994, antes do início das gravações do álbum.
Mesmo abalado com a morte inesperada de Skunk, Marcelo D2 deu sequência ao Planet Hemp, pois sabia que o seu amigo queria muito que o projeto continuasse (tanto que, na época em que Skunk estava secretamente em estado terminal, foi ele quem apresentou Bnegão a D2).
Em 1995, já com Bnegão fazendo dupla com D2, o Planet Hemp lançou o clássico disco de estreia ''Usuário'' — que saiu da bolha do underground e tornou-se um marco subversivo na música brasileira, por ser inteiramente composto por canções muito corajosas onde o grupo se posicionou explicitamente a favor
da legalização da maconha e contra a violência policial. Faixas como ''Legalize Já'', ''Dig Dig Dig (Hempa)'', ''Porcos Fardados'', ''Phunky Buddha'', ''A Culpa É de Quem?'' e ''Mantenha o Respeito'' fazem deste um dos mais cultuados álbuns de estreia do rock e do rap brasileiro.
Dois anos depois, o Planet Hemp lançou o seu segundo disco ''Os Cães
Ladram, mas a Caravana Não Para'', que manteve o viés provocador de ''Usuário'', ao apresentar faixas como ''Queimando Tudo'', ''Zerovinteum'' e ''Mão na Cabeça''. Pouco antes do início das gravações deste trabalho, o rapper Black Alien (que já havia participado de algumas faixas de ''Usuário'') se tornou membro fixo da banda — o que fez com que o Planet Hemp passasse a contar com três vocalistas.
Durante a turnê promocional deste segundo álbum, aconteceu um episódio emblemático na história do Planet Hemp: logo após um show realizado em Brasília, a Polícia local invadiu o camarim do grupo e colocou os músicos na cadeia, alegando ‘’apologia ao uso de drogas e
associação de pessoas para o uso das mesmas’’.Desde o lançamento de ''Usuário'' o Planet Hemp já vinha incomodando as
autoridades tupiniquins e os grupos mais conservadores do Brasil, mas se a
ideia era calar a banda, o tiro saiu pela culatra: o caso fez com que o grupo
aparecesse em uma quantidade enorme de telejornais e ganhasse ainda mais
engajamento popular. Debates e manifestações a respeito de liberdade de expressão e descriminalização de drogas leves já vinham crescendo no país desde o surgimento do
Planet Hemp, mas eles se intensificaram ainda mais, com a prisão dos integrantes da
banda.
Após cinco dias na cadeia, todos os membros do Planet Hemp receberam um habeas corpus e foram liberados. Na mesma semana, ''Os Cães
Ladram, mas a Caravana não Para'' alcançou a marca de 300 mil
cópias vendidas.
Ao longo de sua carreira, D2 declarou diversas vezes, em
entrevistas, que não considera que o Planet Hemp faz apologia às drogas, pois
os integrantes do grupo nunca quiseram que todas as pessoas do mundo fumassem maconha, mas sim que
aquelas que optassem por fazer isso não fossem discriminadas.
O episódio da prisão acabou se tornando combustível para “A Invasão Sagaz do Homem-Fumaça'' (o terceiro álbum da banda). Esse trabalho foi lançado em 2000 e trouxe faixas como ''Stab'', ''Contexto'', ''Ex-Quadrilha da Fumaça'', ''Quem Tem Seda?'' e ''Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga''. Foi o primeiro disco de inéditas do Planet Hemp que contou com Pedro Garcia na bateria — e, também, o único que contou com Daniel Ganjaman nos teclados e Seu Jorge na percussão/flauta/voz de apoio.
Em 2001, já sem Black Alien, Ganjaman ou Seu Jorge, o Planet Hemp gravou um álbum ao vivo, com apoio da MTV, mas, no mesmo ano, várias brigas internas acabaram fazendo com que a banda se separasse: D2 passou a se dedicar totalmente à própria carreira solo (coisa que ele já vinha priorizando desde 1998); Bnegão lançou trabalhos aclamados com os Seletores de Frequência; Rafael Crespo integrou bandas underground e Pedro Garcia montou a banda Rockz, além de ter acompanhado/produzido artistas do naipe de Lobão e Flávio Venturini. Porém, Formigão mergulhou em um período de dependência química e teve uma certa dificuldade para se manter profissionalmente, após esse primeiro término do Planet.
Em 2003 e em 2010, Marcelo D2, Bnegão, Rafael Crespo, Pedro Garcia e Formigão fizeram um ou outro show de reunião. Contudo, o que levou ao retorno definitivo do Planet Hemp foi a turnê que o grupo realizou, entre 2012 e 2013: a ideia inicial era realizar apenas 10 shows naquele período, para ajudar o baixista Formigão (que, na época, estava passando por problemas financeiros), mas, durante a série de apresentações, os problemas existentes entre Marcelo D2 e Bnegão acabaram sendo resolvidos - o que fez com que, em 2015, a banda decidisse voltar de vez.
Como o guitarrista Rafael Crespo não quis ir além da turnê 2012-2013, ele foi substituído por Nobru Pederneiras. Assim surgiu a formação do Planet Hemp que, em 2022, lançaria o aclamado álbum ''Jardineiros'' (o primeiro trabalho de inéditas da banda em 22 anos).
A volta do grupo aconteceu sem Black Alien, devido à relação instável e cheia de idas e vindas que ele possui com substâncias químicas (essa instabilidade do rapper gerou alguns episódios que prejudicaram o Planet Hemp, entre 1997 e 2001). Porém, mesmo assim, Black Alien permanece como um grande amigo dos integrantes da banda até hoje — tanto que ele foi chamado para participar de duas faixas de ''Jardineiros'' e fez aparições especiais nos dois shows derradeiros da turnê ''A Última Ponta''.
Aliás, Black Alien não foi o único ex-membro do Planet Hemp que participou da reta final do grupo: Seu Jorge e DJ Zegon fizeram aparições especiais no penúltimo show, e Bacalhau deu uma palhinha baterística no último.
Em cima do palco, o clima das apresentações finais era de amizade, não apenas nos momentos em que os ex-integrantes se reuniam com a banda, mas também quando Marcelo D2, Bnegão, Formigão, Pedro Garcia, Nobru Pederneiras e Daniel Ganjaman interagiam entre si.
Segundo o que Marcelo D2 e Bnegão declararam em várias entrevistas recentes, a ideia de encerrar as atividades do Planet Hemp não é consequência de novas brigas internas, mas sim da sensação de ''dever cumprido'' que todos os integrantes possuem em relação a este projeto histórico! Os “maconheiros mais famosos do Brasil” quiseram aposentar a banda enquanto ela ainda está no auge.
Deixo aqui todo o meu respeito a esses gigantes que botaram o dedo em várias feridas, desafiaram o conservadorismo e revolucionaram o conceito de ''coragem'' existente na música brasileira. Agradeço muito por ter conseguido ir a SEIS shows do Planet Hemp! Eles já estão deixando saudades!
A coluna de Lucas Couto no Lages Diário tem o patrocínio de: