Para especialistas,
app compartilha informações sem
consentimento.
Por JONAS VALENTE
da AGÊNCIA BRASIL,
Brasília/DF
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📷 Reprodução FaceApp / Direitos Reservados |
Nos últimos dias, imagens
de pessoas em versões mais velhas delas mesmas viraram a nova febre das redes
sociais no país. O responsável por isso foi o aplicativo Faceapp, ferramenta
para edição e aplicação de filtros a imagens, como a simulação das faces em
idades mais avançadas ou em outros gêneros. Contudo, seu funcionamento e suas
normas internas podem abrir espaço para abusos no uso e compartilhamento dos
dados de seus usuários.
O FaceApp está disponível
nas lojas de aplicativos Play Store (para o sistema operacional Android) e
Apple Store (para o sistema operacional iOS). Na loja Play Store no Brasil
estava listado em julho como o principal aplicativo na categoria gratuitos. Com
nota 4,5 de 5, no momento da publicação desta reportagem, o app chegava perto de
1 milhão de downloads.
O programa é anunciado
como uma ferramenta para melhorar fotos e criar simulações por meio de filtros.
Nos modelos de edição há possibilidades de mudar cores do cabelo, aplicar
maquiagem ou estilos de barba e bigode, entre outros. O sistema de inteligência
artificial do app informa
que pode encontrar “o melhor estilo para você”.
Política de privacidade
A política de privacidade do app traz informações
sobre quais dados são coletados e quais são os usos possíveis. Segundo o
documento, são acessados as suas fotos e “outros materiais” quando você posta.
Quais outros materiais? O documento não detalha. A empresa adota serviços de
análise de dados (analytics)
de terceiros para “medir as tendências de consumo do serviço”. O que isso
significa? Não fica claro.
“Essas ferramentas
coletam informação enviada pelo seu aparelho ou por nosso serviço, incluindo as
páginas que você acessa, add-ons e
outras informações que nos auxiliam a melhorar o serviço”, diz o documento. São
utilizados também mecanismos de rastreamento como cookies, pixels e beacons (que enviam
dados sobre a navegação para a empresa e parceiros dela).
As informações “de log” também são enviadas,
como quando o indivíduo visita um site ou
baixa algo deste. A empresa também insere mecanismos para identificar que tipo
de dispositivo você está usando, se um smartphone,
tablet ou computador de mesa. Podem
ser veiculados anúncios por anunciantes parceiros ou instalados cookies dessas
firmas.
Por meio dessas
tecnologias a sua navegação passa a ser totalmente rastreada. Segundo a
empresa, contudo, esse volume de informação é reunido sem que a pessoa seja
identificada. “Nós coletamos e usamos essa informação de análise de forma que
não pode ser razoavelmente usado para identificar algum usuário particular”,
informa o app.
As políticas de
privacidade afirmam que a informação não é vendida ou comercializada, mas
listam para quem a informação reunida pode ser compartilhada para as
empresas do grupo que controla o Faceapp, que também poderão utilizá-las para
melhorar os seus serviços. Também terão acesso empresas atuando na oferta do
serviços, que segundo o documento, o farão sob “termos de confidencialidade
razoáveis”. O que são termos razoáveis? O usuário não tem como saber.
O compartilhamento poderá
ser feito para anunciantes parceiros. Se a empresa for vendida, ela poderá
repassar as informações aos novos acionistas ou controladores. De acordo com o documento,
mudanças nos termos podem ser feitas periodicamente, sem obrigação de
aviso aos usuários. Assim, a empresa possui um leque amplo de alternativas
de compartilhamento sem que o usuário saiba quem está usando suas informações e
para quê.
Riscos
A diretora da organização
Coding Rights, Joana Varon, avalia que o uso do app traz uma série de
riscos e viola a legislação brasileira ao afirmar que poderá ser regido por
leis de outros países, inclusive o Artigo 11º do Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965).
Joana considera a
política de privacidade do FaceApp muito permissiva, uma vez que não é possível
saber quais dados serão utilizados, como e por quais tipos de empresas.
Entretanto, ela acrescenta que certamente a empresa responsável e seus
“parceiros” trabalham os registros reunidos para alimentar sistemas de
reconhecimento facial, uma vez que o app gera
um poderoso banco de dados, não só de fotos dos usuários como de outras pessoas
para as montagens (como de amigos ou de celebridades).
Ela diz que isso resulta
em um problema grave, uma vez que as tecnologias de reconhecimento facial têm
se mostrado abusivas, como nas aplicações de segurança pública. As preocupações
levaram cidades a banir esse tipo de recurso, como San Francisco, nos Estados
Unidos, ou São Paulo, que proibiu o uso da tecnologia no metrô.
“As pessoas ficam
empolgadas mas no fim tem uma finalidade muito além do que só essa brincadeira,
que nem é tão clara. É claro que imagens estão sendo utilizadas para
aperfeiçoar o reconhecimento facial, tecnologia que tem se mostrado totalmente
nociva. Não é só identificação de pessoas, mas do humor e outras
características que não são comuns a outros tipos de dados biométricos, como
digital”, explica.
Venda de dados
Para Fábio Assolini,
analista sênior de segurança da Kaspersky, é possível que essas imagens acabem
sendo empregadas em usos problemáticos. “Por utilizar inteligência artificial
para fazer as modificações a partir do reconhecimento facial, a empresa dona
do app pode
vender essas fotos para empresas desse tipo, além desses dados facilmente
caírem nas mãos dos cibercriminosos e serem utilizados para falsificar nossas
identidades”, diz.
Assolini diz que os
usuários devem tomar cuidado sobre como disponibilizam suas imagens para
reconhecimento facial ou até mesmo publicamente. “Temos que entender essas
novas maneiras de autenticação como senhas, já que qualquer sistema de
reconhecimento facial disponível a todos pode acabar sendo usado tanto para o
bem quanto para o mal”.
Dados expostos
Na opinião do coordenador
do grupo de pesquisa Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização
Social do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT),
Arthur Bezerra, o argumento da parte de muitos usuários de que não haveria
problemas no Faceapp, uma vez que os dados das pessoas já estão expostos na
internet não procede.
"Embora plataformas
como o Google e o Facebook tenha uma enorme gama de dados sobre nós, cada
empresa busca formar seu banco de dados. E o Faceapp é desenvolvido por uma
empresa russa, então quando você faz o download,
você está compartilhando suas informações com uma nova companhia que você não
sabe qual é. Se eu dissesse por alguém para me dar a senha do Facebook, a
pessoa provavelmente não daria, pois todo mundo tem uma dimensão privada da sua
vida", disse.
Polêmicas
Modas como a do FaceApp
já levantaram preocupações antes. Foi o caso do desafio dos 10 anos, que virou
febre no Facebook no início do ano e provocou questionamentos pela alimentação
de sistemas de reconhecimento facial. No ano passado, o
Ministério Público abriu um inquérito para saber se a adoção dessa tecnologia pelo Facebook violava ou não a
legislação.
Iniciativas em diversos
países – como Estados Unidos, China e Rússsia – vêm sendo criticadas por defensores de direitos dos usuários. Empresas do setor, como a
Microsoft, chegaram a pedir publicamente a regulação dessas soluções técnicas.
No Brasil, o início da aplicação desses recursos pelo Sistema de Proteção
ao Crédito no ano passado também foi acompanhado de receios.