Mais
de 600 quilômetros em defesa da bandeira dos costumes gaúchos.
Por ASCOM
PML,
em Lages/SC
📷 Toninho Vieira / ASCOM PML |
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istórias de vida inspiram novas pessoas todos os dias e acima de tudo,
comprovam os ensinamentos intactos e a preservação dos bons costumes da
tradição mesmo depois de tantas décadas de vivência. Esta é uma das linhas da
missão aceita pelo senhor João Sebastião Baptista, 84 anos, que causa inveja em
qualquer jovem pela disposição e vontade de descobrir cada vez mais novas
coisas.
Ele é um dos cavaleiros
participantes da Cavalgada do Centenário de Chapecó - Do Oeste ao Litoral,
município catarinense fundado em 25 de agosto de 1917, distante cerca de 330
quilômetros de Lages. Sebastião viaja, de forma intercalada, no lombo do seu burro,
o Garoto, e do cavalo zaino, o Aragano, de um amigo.
Partiram de Chapecó no
dia 27 de julho às 9h30min. “O almoço foi na casa da minha filha em Xaxim e o
pernoite em Xanxerê”, descreve Sebastião. De acordo com o roteiro, já passaram
por Cordilheira Alta, Xaxim, Xanxerê, Ponte Serrada, entre outros, sempre
margeando pela BR-282. “Houve momentos em que passamos por trechos onde havia
reparo da estrada com máquinas trabalhando. Teve lugares onde descemos
ribanceira, barranco e fomos pelo mato porque a via estava trancada e não havia
espaço para atravessarmos junto aos carros”, acrescenta o campeiro.
O roteiro a ser cumprido
no total é superior a 600 quilômetros, até chegar a Florianópolis, no dia 22 de
agosto. Na rota, a partir de Lages, estão Painel, Urupema, Urubici (passando
por campos naturais), descida pela Serra do Corvo Branco, Rancho Queimado (pela
borda da Serra do Mar em sua parte inferior), São Pedro de Alcântara, travessia
pela BR-101, com hospedagem no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Os Praianos,
passagem por São José e chegada em Florianópolis, na Assembleia Legislativa
(Alesc), onde será prestada homenagem ao centenário de Chapecó no dia 22 de
agosto, às 16h.
Uma enciclopédia viva
O grupo composto por três
homens chegou a Lages no final da tarde deste domingo (6) e está em descanso no
Parque de Exposições Conta Dinheiro, de onde sairão na manhã desta terça (8),
depois de uma noite de confraternização e integração junto aos lageanos na
noite desta segunda (7), com jantar campeiro de quirera e feijão, no galpão
cedido pelo Núcleo do Cavalo Crioulo. O
almoço foi na Fazenda Rincão do Butiá e, o pouso no galpão cedido no Parque
Conta Dinheiro. “Para fazer estas cavalgadas não se pode ter uma ideia
vazia, uma caminhada vazia. Temos de achar um motivo. E como as pessoas em
Chapecó estão envolvidas na comemoração dos 100 anos de emancipação política,
aproveitamos para encaixar a cavalgada e, como quadro principal, participar das
homenagens. Nada mais justo. Chapecó é tida como caminho dos tropeiros”, pontua
Sebastião, tendo guardadas na memória as histórias contadas pelo seu pai,
natural de Santo Ângelo (RS), sobre as “cruzadas” de mula na fronteira com
condução até São Paulo, pelo rio Uruguai, das quais dependiam o mercado e a
sobrevivência. “A gente sempre tem despertados a curiosidade e interesse. Tenho
a impressão de que eu sei passar uma tropa por dentro da água”, diz, apesar de
não ter sido tropeiro.
Porém, presenciou a época
em que o cavalo e a mula serviam como veículo, trator e companheiro da lida de
campo. “A gente comprava mula xucra de Palmeira das Missões (RS), era barata, e
eu domava. Viajo a cavalo desde piá, por semanas. Era uma necessidade. Virou
passeio há pouco tempo, 15, 20 anos, e para não apagar a chama da tradição fui
procurado e estou participando.” Natural de Sertão, hoje município, próximo a
Passo Fundo (RS), Sebastião mora há mais de 50 anos no interior de Guatambu, a
nove quilômetros de Chapecó. Ele está nesta viagem pelo grupo Cavalgadas Além
Fronteiras, ao lado do compadre Auri Casalli, o autor da ideia destas viagens. Getúlio
Lopes completa a equipe de três aventureiros. Sua função é prestar apoio
dirigindo o caminhão que acompanha a dupla com toda estrutura logística da qual
necessitam. O caminhão é um compacto de estrebaria. Tem o espaço para
transportar dois cavalos reservas que estão junto aos cavalgadores, e para
armazenar apetrechos dos bichos, comida e objetos dos três homens. Os cômodos
são devidamente separados.
O professor de bota, bombacha e chapéu
de aba larga
Sebastião é viúvo e
casou-se pela segunda vez. A família é grande. São dez filhos, 15 netos e dois
bisnetos. O aniversário da cidade de Chapecó une-se ao amor aos cavalos. “Sou
muito apegado. Eu sou apaixonado pelo ser humano, os trejeitos me deixam feliz,
mas trato o animal com carinho. O animal que convive comigo tem sorte, pois
tenho todo cuidado com o tratamento.”
Professor aposentado,
formado em Ciências e Matemática, Sebastião é direto em suas palavras.
Extrapola seus conhecimentos. “A área da educação ainda não descobriu o jeito
de preservar a moral do homem e os bens da natureza. Fico trêmulo ao pensar
nisso”, opina.
E não hesitou em realizar
sonhos. Foi agricultor e professor ao mesmo tempo, além de manter um aviário em
sua propriedade. Sua carreira foi incrementada como diretor de escola e
secretário da educação em Guatambu. Quando deixou de ser funcionário público
voltou para a colônia, onde está até hoje, interior de Guatambu, e cultiva
plantas, cria cavalos, cabritos, patos e peixes em açudes. “Esta é a vida
entretida da roça. Desde novo eu lido com cavalo, tenho muita prática de lida
com animais, fui domador. Eu aceitei participar da cavalgada porque gosto. Faz
cinco, seis anos, que fizemos a primeira viagem, de Chapecó até o município de
Derrubada, no Rio Grande do Sul”, relembra o experiente tradicionalista.
O compadre e amigo
O administrador de
empresas, Auri Casalli, tem 50 anos e mora na aniversariante Chapecó. É
companheiro assíduo do senhor Sebastião. “Temos mais 15 dias até chegar ao
destino, mas nós vamos parando e, principalmente, conhecendo as pessoas. É o
que importa para nós. A cavalgada serve para interagirmos e confraternizarmos.
Temos uma função institucional, pois o Oeste e a Serra (Planalto) têm uma
relação muito grande. Somos oriundos de uma mesma cultura. A recepção em Lages
é muito boa. Estamos bem instalados aqui no Parque. Não esperávamos tanto.
Gostamos de sentir a vida campeira do mundo”, pontua Casalli, que carrega 15
anos de experiência em cavalgadas, incluindo trajeto até Montevidéu.
Auri está cavalgando com
seu cavalo Pacato, seu parceiro há dez anos. Da comitiva também fazem parte o
cavalo crioulo Aragano, o burro Garoto e a égua Gina. O empresário Júlio
Parnoff se integrará à equipe mais adiante, perto da capital. Em Rancho
Queimado um outro grupo se somará aos cavalgadores. “Vai chegar um grupo grande
de cavalarianos de Chapecó e vamos cruzar a ponte em mais de 50. Vamos invadir
a Ilha”, antecipa Casalli. Nesta tarde, o grupo concedeu entrevistas a
diferentes veículos de comunicação e trocou informações com profissionais do
Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).