Por Lucas Couto (@l.couto21)
03/07/2025 — 19:09
O ano de 2025 já nos trouxe vários filmes excelentes: de janeiro para cá, acompanhamos longas-metragens como ‘’Mickey 17’’, ‘’Homem com H’’, ‘’Thunderbolts*’’, ‘’F1: O Filme’’ e ‘’Extermínio: A Evolução’’ estreando nos cinemas e recebendo enorme aclamação da maioria do público, mas, ainda assim, o grande destaque cinematográfico do ano, até agora, é ‘’Pecadores’’.
De abril a junho deste ano, este filme ficou em cartaz nos cinemas do mundo inteiro, arrancando elogios intensos de milhões de pessoas (segundo informações divulgadas no site Rotten Tomatoes, ‘’Pecadores’’ foi aclamado por 97% da crítica especializada e possui a aprovação de 96% do público geral). Ao todo, este longa arrecadou quase 365 milhões de dólares em bilheteria, mas, agora, ele acaba de chegar ao catálogo da MAX, para ser assistido (e reassistido) à vontade.
‘’Pecadores’’ é totalmente dirigido e roteirizado pelo genial Ryan Coogler (o mesmo responsável por ‘’Creed: Nascido Para Lutar’’, ‘’Fruitvale Station: A Última Parada’’ e pelos dois filmes da franquia ‘’Pantera Negra’’). Tendo em vista o histórico do cineasta em questão, já era de se esperar que este novo longa conseguiria a façanha de ser um filme de pegada autoral e, ao mesmo tempo, um filme ‘’pipoca’’.
Um terror com metáforas sociais
Antes de assistir ‘’Pecadores’’, é importante saber o contexto histórico onde ele se situa: a trama do longa se passa em 1932 – época em que a escravidão nos Estados Unidos já havia acabado há algum tempo e onde vários negros americanos conseguiram ascender socialmente, graças ao começo da popularização do Blues (gênero musical de origem negra). Apesar disso, esse também era um período onde a ‘’terra do Tio Sam’’ ainda vivia a segregação racista das Leis de Jim Crow e contava com um número grande de adeptos da Ku Kux Klan.
O filme acompanha os irmãos gêmeos Smoke e Stack (ambos interpretados pelo fiel escudeiro de Coogler, Michael B. Jordan), no dia em que eles irão inaugurar um bar de Delta-Blues, para pessoas negras, em Louisiana. Essa inauguração começa muito bem, mas acaba sendo interrompida por vampiros sanguinários que estão dispostos a tomar o estabelecimento para eles e a converter todos os membros da festa ao vampirismo. As criaturas sobrenaturais dão uma pitada intensa de terror à trama, mas, na verdade, elas são metáforas utilizadas para simbolizar o fenômeno da Apropriação Cultural.
A maneira com a qual a população branca tentou apagar vários méritos da cultura negra, ao longo das décadas, é bastante evidente, quando percebemos que, na indústria musical daquela época, artistas negros talentosíssimos como Robert Johnson, Ma Rayney, Fats Domino, Big Mama Thorton, Lesley Riddle, Chuck Berry, Big Joe Turner e Sister Rosetta Sharpe eram extremamente marginalizados – tanto que eles só tinham composições estouradas na mídia depois que artistas brancos as regravavam.
O Blues não está no centro de ‘’Pecadores’’ à toa: além de ter sido o primeiro estilo musical que, historicamente, tirou pessoas negras da herança maldita da escravidão colocando-as em um patamar financeiro melhor, ele também foi o gênero que deu origem ao Rock, ao Jazz, ao R&B, ao Country e a vários outros estilos de música afroamericanos – essa informação é abordada durante um momento-chave do filme, com o intuito de deixar claro que o vampirismo cultural não acompanha somente o Blues, mas sim toda a complexa história da música negra mundial.
‘’Pecadores’’ possui sim ótimas cenas de terror e western, mas o que torna este filme genial são as suas metáforas inteligentíssimas a respeito de como o racismo estrutural atua na Indústria Cultural. Além disso, o longa é uma carta de respeito e reconhecimento a todos os músicos negros geniais que, no século XX, foram subvalorizados pela sociedade, por motivos racistas. Esta é, certamente, a obra mais autoral e criativa que Ryan Coogler já entregou ao público. Esperamos que o trabalho do cineasta seja reconhecido com vários prêmios, nos próximos meses.
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