Fiocruz: Brasil está mais preparado contra Covid-19 que contra H1N1
Casos de Coronavírus são,
em sua maioria, moderados, diz especialista.
Por LÉO RODRIGUES
da AGÊNCIA BRASIL,
Rio de Janeiro/RJ
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📷 Luis Echeverria / Reuters |
O Brasil está mais
preparado para lidar com o Covid-19 do que estava em 2009 para enfrentar a
pandemia da gripe H1N1. A afirmação é do médico infectologista Rivaldo
Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição científica vinculada ao Ministério
da Saúde. O médico diz que a população precisa se manter informada, mas
ressalta que não há razão para pânico.
Segundo Rivaldo, os casos
ocorridos até agora em diversos países são em sua maioria leves ou moderados.
"Há inclusive casos assintomáticos, em que a pessoa, embora tenha sido
infectada, não desenvolve nenhuma manifestação clínica. A ampla maioria dos
casos são leves e moderados – talvez uns 80%, 85%, até 90%. E é pequena a
parcela de infecções com manifestações clínicas mais fortes."
O Covid-19, como é
chamada a doença causada pelo novo coronavírus, começou a se disseminar na
China no final de dezembro e em mais 49 países já foram registrados casos. Em
alguns deles, como a Itália e a Coreia do Sul, o surto avançou rapidamente nos
últimos dias. Até o último dia 28, a China havia registrado 78.959 casos, com
taxa de mortalidade de aproximadamente 3,5%. No resto do mundo, eram 4.351
ocorrências, das quais em cerca de 1,5%, os pacientes morreram. Naquele dia, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou para “muito alto” o risco em nível globa. No Brasil,
havia 182 casos considerados suspeitos e um caso confirmado em São Paulo: um
homem de 61 anos que esteve na Itália.
Os primeiros sintomas da
doença podem levar até 14 dias para aparecer. "O mais comum é que, em
torno de uma semana a partir da infecção, a pessoa desenvolva a enfermidade. E,
uma vez desenvolvendo as manifestações clínicas, há um período médio de uma
semana a 10 dias de transmissão. Há, no entanto, algumas observações sendo feitas
por autoridades sanitárias da China de que, aparentemente, algumas pessoas
estariam provocando a transmissão do vírus um pouco antes de se manifestarem os
primeiros sintomas", destaca o médico.
Com sede no Rio de
Janeiro, a Fiocruz é uma das instituições habilitadas a fazer os testes
laboratoriais capazes de detectar a presença do vírus. Os exames são realizados
a partir de amostras de material clínico coletado das narinas ou da faringe dos
pacientes. Os resultados saem após um período que varia entre 24 e 72 horas.
O Instituto Adolfo Lutz,
em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, em Belém, também estão preparados
para as análises. Ambos são vinculados ao Ministério de Saúde. A tendência é
que essa rede de diagnóstico aumente. Em Goiânia, testes já são realizados pelo
Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), administrado pelo governo
estadual. O Lacen foi capacitado levando em conta a chegada ao estado de
brasileiros que foram resgatados em Wuhan, na China. Os repatriados ficaram
em quarentena na Base Aérea de Anápolis, em Goiás.
Segundo Rivaldo, o Brasil
evoluiu nos últimos 20 anos no enfrentamento de emergências de saúde pública a
partir de experiências concretas. Ele cita o surto global de coronavírus, que
ficou conhecido como síndrome respiratória aguda grave (Sars) em 2002, a ameaça
do ebola em 2014, que acabou não alcançando o Brasil, e a pandemia da gripe
H1N1 que se expandiu para o mundo a partir do México. A esses episódios,
soma-se o combate a enfermidades como a dengue, a zika e a chikungunya, além
das emergências sanitárias decorrentes de outras causas como os rompimentos de
barragens de mineração nos municípios mineiros de Mariana, no ano de 2015, e
Brumadinho, no ano passado.
"O SUS, nosso
Sistema Único de Saúde, aprendeu muito com tudo isso, e a rede de saúde
complementar também cresceu nesse período. Isso fez com que pudéssemos antever
algumas dificuldades e preparar estruturas para enfrentar o novo surto mundial
de coronavírus com uma rapidez infinitamente maior do que em 2009, diante da
pandemia de H1N1. Eu diria que, neste momento, o Brasil está mais preparado
para fazer a detecção da doença. Evidentemente, isso vai depender da magnitude
da transmissão. Lembrando que em algumas localidade do país, sobretudo em
regiões metropolitanas, existem dificuldades na rede assistencial, que são de
conhecimento público", avalia o infectologista.
Rivaldo destaca um lado
positivo, que é o aprendizado das últimas décadas, mas lembra um aspecto
negativo, que foi a desestruturação, em algumas localidades, da rede que estava
estabelecida. "Tivemos uma redução da cobertura da assistência pela Estratégia
de Saúde da Família, que é o primeiro nível de atenção no SUS. Então, é preciso
planejamento, considerando que o coronavírus pode ser uma demanda adicional ao
que já enfrentávamos", acrescenta o médico, ressaltando que deve ser
mantida a atenção às demais enfermidades.
Vulnerabilidade
Os grupos que desenvolvem
manifestações mais intensas são aqueles tradicionalmente considerados mais
vulneráveis a outras doenças respiratórias, como gripe ou sarampo: pessoas com
mais de 60 anos, sobretudo as que já têm algum comprometimento de saúde como
uma doença pulmonar crônica, hipertensão e diabetes. Também precisam de mais
atenção pessoas que usem medicação imunossupressora ou que tenham
imunossupressão adquirida causada, por exemplo, pelo vírus HIV.
Até sexta-feira (28), o
único caso confirmado no Brasil era o de um empresário de 61 anos, que se recupera em casa. Segundo
Rivaldo, eventuais internações têm de ser analisadas caso a caso, e a avaliação
da vulnerabilidade precisa levar em conta outros fatores além da idade.
"Temos pessoas de 60 anos que nunca fumaram, que não têm hipertensão, nem
diabetes e que praticam atividade física. A vulnerabilidade dessa pessoa pode
ser menor que a de outra com 40 anos que fuma desde os 15 e leva uma vida
sedentária."
O infectologista destaca
alguns protocolos domésticos: "não compartilhar objetos como copos e
talheres e, de preferência, ficar em um quarto separado, que seja ventilado,
bem arejado e com a janela aberta. Evitar ficar em sala fechada, assistindo à
televisão com quatro, cinco ou seis pessoas. Se morar um idoso em casa, de 80
anos ou mais, o paciente deve tomar cuidado com o contato e evitar o mesmo
ambiente. E, claro, tomar os cuidados de higiene pessoal."
Autoridades públicas de
saúde recomendam que se lavem as mãos e o rosto com frequência e cobrir o nariz
e a boca, preferencialmente com um lenço descartável, se for tossir ou
espirrar. Se não tiver o lenço descartável, a pessoa deve usar a dobra do
cotovelo. Se tossir ou espirrar nas mãos, deve lavá-las em seguida. Em caso de
suspeita de infecção, cabe à pessoa evitar locais de aglomeração. A confirmação
do caso em São Paulo demanda uma elevação do nível de atenção. Para Rivaldo,
aumentou a chance de que o vírus esteja circulando no Brasil em breve.
"Temos um caso
confirmado, adquirido no exterior, mas que pode ter iniciado uma cadeia interna
dentro do país. É preciso aguardar os próximos dias para saber se houve uma
consequência maior desse primeiro caso. A circulação interna se torna uma
possibilidade mais forte. A quantidade de países que passou a registrar a
transmissão sustentável do vírus aumentou bastante. Então as chances de pessoas
infectadas ainda em período de incubação entrarem no Brasil se tornam maiores.
E não é só a China, que é um país para o qual o Brasil não tem voos diretos.
Mas a Itália, por exemplo, já tem transmissão interna, e nós temos voos diretos
de lá. Então a probabilidade de introdução do coronavírus no Brasil aumentou
razoavelmente", afirma o médico.
Tratamento
Os primeiros sintomas são
febre e manifestações respiratórias que podem ser tosse seca, espirro, coriza
principalmente. Nos casos mais intensos, o paciente sente dificuldades na
respiração, que podem progredir, por exemplo, para uma pneumonia. O
desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas está em estudo, mas, por
enquanto, o tratamento tem se dado sobre os sintomas. Ministra-se medicação
para febre ou para dores de cabeça, quando é o caso. Nos casos mais intensos,
recorre-se à oxigenioterapia, em que é colocada um suporte de oxigênio para
melhorar a respiração do paciente.
De acordo com Rivaldo, a
elaboração da vacina demanda uma mobilização internacional. A Fiocruz e seus
parceiros estrangeiros já compõem as redes de pesquisas, mas ainda é cedo para
estimar quando o imunizante poder ficar pronto. De outro lado, o Ministério da
Saúde antecipou a vacinação da gripe comum, que será distribuída
preferencialmente para alguns grupos como gestantes, crianças de até 6 anos de
idade e idosos. Segundo o infectologista, a medida pode ajudar na redução de
casos mais graves de coronavírus.
"É importante deixar
claro que a vacina da gripe não protege contra o corona. De outro lado, ela
reduz a quantidade de pessoas com quadro de infecção respiratória. O fato de os
pulmões não terem sofrido dois ou três meses antes uma infecção pela gripe pode
ajudar a evitar casos mais graves no caso de uma infecção posterior pelo
coronavírus", ressalta o médico.
A entrevista foi
concedida no dia 28 de fevereiro
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