Bolsonaro tem até 4 de outubro para vetar ou sancionar lei eleitoral
Se a lei for sancionada,
valerá para as eleições municipais de 2020.
Por HELOÍSA
CRISTALDO e KARINE MELO da
Brasília/DF
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📷 Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil |
Está nas mãos do
presidente da República Jair Bolsonaro a decisão de sancionar ou vetar (total
ou parcialmente) o projeto que altera regras eleitorais (Projeto de Lei
5029/19). Para valerem já nas eleições municipais de 2020, as novas regras
precisam ser sancionadas até o dia 4 de outubro.
A primeira versão do
projeto foi aprovada pelos deputados no início de setembro com grande
repercussão negativa. A reação fez com que o Senado avançasse apenas na criação
de um fundo eleitoral, sem valor definido, para financiar as eleições no ano
que vem. Quando o texto voltou à Câmara, os deputados excluíram alguns pontos
importantes, mas mantiveram trechos que críticos da proposta acreditam que
podem dar margem para caixa dois, lavagem de dinheiro, além de reduzir
mecanismos de controle dos recursos.
Após negociação entre os
líderes partidários, os deputados retomaram à votação de todo o texto,
retirando quatro pontos. No relatório apresentado pelo deputado Wilson Santiago
(PTB-PB), foram suprimidos os seguintes trechos: o que permite pagar advogados
e contadores com o fundo partidário; o que aumenta o prazo para a prestação de
contas partidárias; um terceiro, que viabilizaria diversos sistemas para a
prestação das contas, além do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); e um último
ponto que permitia partidos serem multados por erros na prestação de contas
apenas em caso de dolo, quando há intenção em cometer uma fraude.
Fundo partidário
O texto aprovado garante
o fundo eleitoral para financiamento de campanha dos candidatos a prefeito e
vereador nas eleições municipais de 2020. A medida estabelece que os valores do
fundo serão definidos por deputados e senadores da Comissão Mista de Orçamento
(CMO). O projeto de lei do orçamento de 2020, enviado pelo Poder Executivo, já
prevê a destinação de R$ 2,54 bilhões para as eleições municipais.
Gastos
A medida prevê a
contratação de serviços de consultoria contábil e advocatícia, inclusive em
qualquer processo judicial e administrativo de interesse partidário ou de
litígio que envolva candidatos do partido, eleitos ou não, com a ressalva de
que estejam diretamente relacionados ao processo eleitoral.
Os recursos podem ser
usados por partidos políticos para pagamento de juros, multas, débitos
eleitorais e demais sanções relacionadas à legislação eleitoral ou partidária.
As verbas também podem ser direcionados na compra ou locação de bens móveis e
imóveis, construção de sedes e realização de reformas; e no pagamento pelo
impulsionamento de conteúdos na internet, incluída a priorização em resultados
de sites de pesquisa.
Doações
As doações para campanhas
eleitorais são restritas às pessoas físicas. A lei atual estabelece que a
doação seja feita por recibo assinado pelo doador, limitado a 10% dos
rendimentos brutos desse doador referente ao ano anterior. Atualmente, é
possível fazer as doações por cartão de crédito ou débito. Com a medida
aprovada, parlamentares permitiram o uso de boleto bancário e débito em conta.
Propaganda partidária
semestral
O texto aprovado pelos
deputados prevê a volta da propaganda partidária semestral e exceções aos
limites de gastos de campanhas eleitorais. A obrigação dessa veiculação em rede
nacional e estadual foi extinta pela última reforma eleitoral em virtude da
criação do fundo eleitoral. Em cada emissora, somente serão autorizadas
inserções até que se alcance o limite diário de 12 minutos.
A medida estabelece que o
partido com mais de 20 deputados federais eleitos terá 20 minutos de tempo, por
semestre, para inserções nas redes nacionais e o mesmo tempo nas redes
estaduais. A sigla que eleger de 10 a 19 deputados terá assegurado o tempo de
15 minutos a cada seis meses - tanto nas redes nacionais quanto estaduais. Já
os partidos que tenham eleitos até nove deputados terão o tempo de 10 minutos
assegurados (redes nacionais e estaduais – cada).
Participação feminina
O texto traz ainda uma
mudança com relação à atividade de mulheres dentro de partidos políticos. A
medida prevê que as siglas criem instituto com personalidade jurídica própria
para gerir esses recursos destinados exclusivamente à participação feminina.
Atualmente, a lei já determina que 5% do fundo partidário seja usado na
promoção da participação das mulheres na política.
Repercussão negativa
Para a diretora de
Operações da Organização Não Governamental Transparência Brasil, Juliana Sakai,
a forma acelerada de tramitação e o próprio conteúdo do projeto de lei foram
equivocados. Críticos ao texto aprovado se mobilizam para pressionar o
presidente da República a vetar trechos da lei aprovada pelos congressistas.
“Deputados e senadores
legislaram em causa própria. Eles definiram a regra do jogo de como eles vão
jogar, como vão receber os recursos e aplicá-los e também como fiscalizar esses
recursos. Houve um movimento forte para apressar e votar em regime de urgência,
sem discutir com a sociedade. Foram apenas quatro horas de debates no plenário
[da Câmara], não tramitou em nenhuma comissão e foi direto para o Senado”,
aponta a diretora.
Para Juliana Sakai, o
projeto aprovado pode gerar problemas para que Justiça Eleitoral fiscalize os
recursos públicos do Fundo Partidário além de abrir brechas para caixa dois e
lavagem de dinheiro.
“Isso é muito grave. O
projeto permite, por exemplo, o pagamento de passagens para pessoas de fora do
partido. Essas novas regras dificultam que a Justiça Eleitoral analise o uso de
recursos ao diminuir o controle das contas dos partidos políticos”, explicou.
“Essa proposta é um ataque à transparência, são medidas que inviabilizam o
controle social e surpreende que, em 2019, os parlamentares tenham a coragem de
propor um texto desse nível”, completou.
Na avaliação de Juliana
Sakai, o trecho do projeto que prevê novas regras para considerar um candidato
inelegível é uma afronta à Lei da Ficha Limpa. O texto estabelece parâmetros
para avaliar se um candidato está elegível para disputar as eleições. A
definição caberá à Justiça Eleitoral que deve considerar a data da posse e não
a data do registro da candidatura, embora a condição continue a ser aferida
nesse momento.
“Isso está trazendo o
caos para o sistema eleitoral ao viabilizar campanhas, que talvez não sejam
deferidas, com dinheiro público que será gasto e candidatos que receberão votos
e não serão eleitos”, disse.
Reação
Segundo senadores que
fazem parte do grupo Muda, Senado (que tem 21 parlamentares), o texto final aprovado
na Câmara "é uma absurda ofensa ao Senado, à democracia e à sociedade, que
acompanha atônita a destruição da já combalida credibilidade da política como
meio adequado para resolução de conflitos".
O grupo considera a
possibilidade de tomar medidas judiciais sobre o assunto, de forma a
"restabelecer o devido processo legislativo e assegurar que a democracia
brasileira está acima de interesses pessoais e partidários".
A presidente da Comissão
de Constituição e Justiça do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), classificou o texto
aprovado na Câmara como um "retrocesso inimaginável". Para a
senadora, a sociedade tem que pressionar o presidente da República a vetar o
projeto.
“É um retrocesso
inimaginável numa câmara que teve 60% do seu quadro renovado. Quando a
sociedade renovou a Câmara em 60%, eu imaginei que descalabros como esse,
retrocessos como esse, no que se refere à transparência, publicidade do
dinheiro público, a própria moralidade, não fosse mais acontecer no plenário da
Câmara dos Deputados”, disse. “Cabe agora uma ampla manifestação da sociedade,
um grito das ruas com pedido de veto ao senhor presidente da República para que
nós, no Senado, possamos manter esses vetos”, completou.
Defesa
Já o presidente da
Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem feito uma defesa veemente da
medida. O parlamentar tem ressaltado a importância do financiamento para
garantir a participação de grupos diversos na política brasileira.
“Reafirmamos o que
fizemos no outro processo em relação ao fundo. Se não tiver financiamento
público, só vão financiar as campanhas quem tiver vinculado a um empresário
rico. Se não tiver o fundo, é uma escolha, vamos ter só ricos ou ter gente
ligado a políticos ricos”, afirmou Maia.
O deputado rebateu ainda
a crítica de que a medida vai facilitar o caixa dois nas eleições. Para ele, o
que pode impedir essa prática é mais fiscalização e punição.
“Não existem caminhos
para facilitar o caixa dois. Os recursos eram contabilizados nos escritórios de
advocacia, não tem caixa dois, está contabilizado, o que está contabilizado não
é caixa dois. Você pode dizer que esse encaminhamento não é melhor, mas caixa
dois não é. Ter limite ou não, não significa caixa dois. Nós precisamos é ter
transparência, fiscalização firme e punição firme”, disse.
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